Paulo Cesar Araújo lança nova versão da biografia que o Rei tentou censurar Em '''Roberto Carlos outra vez'', pesquisador refez o livro que a editora Planeta tirou do mercado,

SOBRE O EVENTO

Início: 10/02/2022 23:19
Fim: 10/04/2022 00:00

Enquanto escrevia “Roberto Carlos em detalhes”, o escritor e pesquisador Paulo Cesar de Araújo não imaginava o périplo que enfrentaria após a publicação da obra, em 2006. Alvo de censura e uma disputa judicial polêmica, o livro saiu de circulação depois de um acordo entre o biografado e a editora Planeta, que, aconselhada pelo juiz, se comprometeu a não mais publicar, distribuir e comercializá-lo. Com a decisão, o autor assistiu a anos de pesquisa sobre a vida do ídolo brasileiro irem por água abaixo. Mas nem tudo estava perdido.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que biografias, mesmo sem autorização do biografado e de seus herdeiros, não podem ser proibidas. O tribunal reconheceu que exigir a chancela do retratado representa censura. Com isso, Araújo ganhou novo gás para se debruçar sobre a trajetória do “Rei”. O resultado da nova pesquisa chega agora às livrarias pela Record, com o título “Roberto Carlos outra vez”.
 
“Esse livro nasceu da necessidade de reescrever a história do Roberto Carlos justamente por conta de todos os acontecimentos do passado e do acordo judicial que impede a publicação do 'Roberto Carlos em detalhes'”, afirma o escritor e pesquisador.

MEMÓRIAS

“Refiz aquele livro, acessei novamente todo o meu material de pesquisa e isso me permitiu fazer biografia mais ampla, em dois volumes. Tive acesso, por exemplo, a outras fontes e a livros de memórias publicados depois, como o da Wanderléa (“Foi assim”, 2017) e o do Erasmo Carlos (“Minha fama de mau”, de 2008).”
 
Paulo Cesar garante que a nova publicação é “melhor e mais completa”. O grande diferencial de “Roberto Carlos outra vez” é narrar a vida e a obra do Rei por meio das canções mais representativas de sua carreira. Elas dão título a cada um dos 50 capítulos distribuídos em 928 páginas.
“É difícil reescrever a mesma história, então decidi abordá-la por meio das músicas. Parto das canções e faço para cada uma delas pequenas biografias. Estou há cerca de quatro anos nesse trabalho, um verdadeiro quebra-cabeça. Foi um livro difícil de fazer, mas felizmente consegui encaixar todas as peças”, ele afirma.
 
Neste primeiro volume, o autor revela como nasceram e foram gravados os hits “Jesus Cristo”, “Sua estupidez”, “Quero que tudo vá pro inferno”, “É preciso saber viver”, “As curvas da estrada de Santos” e “Como é grande o meu amor por você”, entre outros.
 
O título do livro remete ao sucesso “Outra vez”, composto por Isolda Bourdot (1957-2018), indicando que também há espaço para as músicas em que Roberto foi somente intérprete – “Negro gato”, de Getúlio Côrtes; “Nossa canção”, de Luiz Ayrão; e “Madrasta”, valsa de Beto Ruschel e Renato Teixeira.
 
“A obra de Roberto Carlos é muito biográfica por si só. José Cavalcante, autor da biografia do Fernando Pessoa, diz que ele era um poeta sem imaginação porque estava sempre falando de si mesmo, de sua infância, da família, dos amigos e do que ele pensava. Digo que o Roberto é um compositor sem imaginação: fala dele mesmo, das mulheres dele e dos acontecimentos com ele. Então, toda sua obra tem caráter biográfico”, Paulo Cesar analisa.
 
Ao mesmo tempo, lembra o biografo, o astro escreve e canta de um jeito com o qual todo mundo se identifica. “São os dramas vividos pelas pessoas. O que é muito importante para entender o sucesso de Roberto é que ele é formado pelo brega, pela bossa nova e pelo rock. Essas referências fizeram dele artista único. Ele é a síntese desses três estilos e isso a gente observa ao ouvir as canções”, ressalta.
“Roberto Carlos outra vez” explica o contexto em que o artista se formou, como criou sua obra e como se tornou quem é. Detalha sua obscura fase dele como cantor de bossa nova e as bases que estabeleceu para o rock nacional com a Jovem Guarda.
 
A decisão de dividir o livro em dois volumes foi do editor Carlos Andreazza. No entanto, o período que o atual lançamento compreende – 1941 a 1970 – tem significado importante para a história do artista capixaba.
 
“Termino (o primeiro volume) no show dele no Canecão, a consagração definitiva de Roberto, o momento em que ganha prestígio e passa a ser acompanhado por um público mais atento e pela elite. É a partir dessa apresentação que vem a confirmação do sucesso dele. Lá estava um público que nunca tinha ido a um show do Roberto, por exemplo. De 1941 a 1970 ocorreu a formação e a consolidação do ídolo”, Paulo Cesar explica.

AMORES

O primeiro volume também analisa todos os discos lançados por Roberto no período, os filmes, o começo da amizade com o parceiro Erasmo Carlos, as aventuras e os amores.
 
O biógrafo dedicou atenção especial às pessoas que contribuíram para o sucesso do cantor, inclusive os músicos, então anônimos, pois os primeiros álbuns saíram sem ficha técnica.
 
“Esses músicos trouxeram muitas histórias dos bastidores das gravações e das decisões por trás das escolhas sonoras e estéticas que Roberto Carlos fez. Também consegui entrevistar atrizes dos filmes dele. O novo livro é o mais completo possível, trazendo um panorama detalhado dos personagens que orbitavam em torno dele durante diferentes períodos da carreira.”
 
O segundo volume de “Roberto Carlos outra vez”, previsto para final de 2022,
acompanha o artista até seus 80 anos, completados em abril de 2021. “Será um volume um pouco menor. O primeiro é mais extenso porque é necessária certa contextualização. O próximo é mais linear, pois a carreira dele já está mais consolidada”, adianta. O formato será o mesmo, com 50 músicas ditando os caminhos da trajetória do Rei.
Questionado sobre a possibilidade de outra iniciativa de Roberto para barrar a publicação do novo livro, o autor é categórico: “Não, isso é página virada”. E acrescenta: “É um episódio infeliz da nossa história, mas a decisão do STF foi clara e cristalina. Ninguém está impedido de tentar, mas certamente não conseguirá. Quem quiser pode, sobre isso a gente não tem controle. Mas é algo que está resolvido, não é aquela coisa de fica a dúvida.” Em 2014, ele lançou “O réu e o rei”, contando a história da censura que sofreu.
 
Entre 1990 e 2005, período em que pesquisou e escreveu “Roberto Carlos em detalhes”, Paulo Cesar de Araújo tentou várias vezes, sem sucesso, entrevistar o Rei. Só esteve frente a frente ele na 20ª Vara do Forum Criminal da Barra Funda, em São Paulo, em 27 de abril de 2007, o dia da audiência de conciliação.
 
Depois disso, o cantor não tentou entrar em contato com o biógrafo. E decidiu contar sua história por meio de fontes oficiais. “O Roberto não deu entrevista para mim, mas deu para outros. Este é o trabalho do pesquisador: identificar o rastro que ele deixou. Fiz esse trabalho com a mesma disposição, sem contar com os personagens, tentando responder a perguntas que eu gostaria de fazer para ele.”
 
Ao contrário do que muita gente pode pensar, o imbróglio judicial não afetou o interesse
do pesquisador por Roberto Carlos. Paulo Cesar afirma que seu grande objetivo é investigar a cultura e, assim, compreender aspectos da história do Brasil.